Aliados do ex-presidente Lula (PT) e do ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido) avaliam que a construção da chapa conjunta está pavimentada e que a união demonstrou, nesta semana, resistir a desafios de ordem programática e partidária.
Mesmo com as linhas gerais do plano econômico de Lula divulgadas no jornal Folha de S.Paulo em um artigo do ex-ministro Guido Mantega e a ampliação do debate no PT sobre a revogação da reforma trabalhista, interlocutores de Alckmin afirmam que diferenças pontuais nas propostas do petista e do ex-tucano não serão entraves para a aliança.
A leitura de quem acompanha as conversas entre Lula e Alckmin é a de que ambos querem fazer a chapa acontecer e, para isso, estão dispostos a superar diferenças -a união pode ser anunciada em fevereiro.
O ex-governador abandonou os movimentos para disputar novamente o Palácio dos Bandeirantes e se concentrou em debater o país.
Lula, por sua vez, não viu mais surgirem especulações de nomes de vices depois que o de Alckmin entrou na roda. Petistas afirmam que, na opinião do ex-presidente, o jantar que os reuniu publicamente demonstrou que as resistências no partido e na opinião pública foram menores que o esperado.
No entanto, a chapa encontra opositores no PT e no PSDB. Tucanos que contavam com Alckmin em São Paulo para fazer frente ao PSDB do presidenciável João Doria e do seu candidato no estado, Rodrigo Garcia, demonstram decepção e não descartam que o ex-governador volte atrás na escolha por Lula.
Embora a velha guarda tucana admita que o PSDB raiz que defendem já foi próximo do PT, lembrando a boa relação entre Lula e FHC nos anos 1970 e 1980, o entendimento é o de que o petista se deixou corromper no poder e que Alckmin não pode se associar a isso. As diferenças programáticas seriam superáveis; as éticas, não.
Entre as divergências no plano de governo, a ideia de rever a reforma trabalhista, discutida por Lula em reunião com sindicalistas e economistas na terça-feira (11), foi tema de café da manhã entre Alckmin e o presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), no dia anterior.
Paulinho, que é contrário à revogação da reforma, mas apoia a revisão de alguns pontos, afirmou à Folha de S.Paulo que Alckmin demonstrou haver preocupação do mercado com essa iniciativa.
Mais tarde, petistas e alckmistas passaram a divulgar que o ex-governador, na verdade, demonstrou interesse em estudar o tema e entendia a proposta de Lula não como algo radical, mas como uma iniciativa de diálogo entre as partes para melhorar a legislação.
Membros da cúpula do PT fizeram chegar a Alckmin explicações sobre a proposta. A missão teria apaziguado eventuais estranhamentos do ex-governador em relação ao que sugere o ex-presidente quando fala em imitar o exemplo da Espanha, que revogou a reforma trabalhista.
A postura de Alckmin, contudo, irritou parte dos membros do PT, já que a reversão das mudanças é pauta do partido praticamente desde que a medida foi aprovada no governo Michel Temer (MDB).
A conversa com Paulinho, registrada em foto e divulgada nas redes, sinalizou ainda que embaraços de ordem partidária à formação da aliança também tendem a ser solucionados. No encontro, o deputado reforçou o convite para que Alckmin se filie ao Solidariedade e componha a chapa com Lula. O ex-tucano ainda não deu resposta.
O plano original é o de que Alckmin se filie ao PSB, partido que forneceria a Lula a vice-presidência e que formaria uma federação ou aliança com o PT. Em troca, os petistas abririam mão de candidaturas próprias e apoiariam os pessebistas em cinco estados: RJ, ES, RS, PE e SP.
A questão paulista, no entanto, travou a negociação. O PT não abre mão de lançar o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que aparece à frente do ex-governador Márcio França (PSB) nas pesquisas. O partido argumenta ainda que São Paulo é um estado chave, berço do petismo, e que há chance real de vitória.
Do lado do PT, a expectativa é a de que França ceda e ocupe outra vaga na chapa, mas também existe o reconhecimento de que ele tem direito de concorrer -cenário em que Haddad e o ex-governador se enfrentariam nas urnas.
Já o PSB tampouco está disposto a abrir mão da candidatura de França, que abriu diálogo com o PDT de Ciro Gomes -o ex-governador esteve com o presidente da sigla, Carlos Lupi, neste ano. Sem nome próprio para a Presidência, o partido estaria entre apoiar Ciro ou Lula.
Petistas entendem que o PSB, ao usar Alckmin como moeda de troca na questão paulista, negocia um ativo que não possui. Primeiro porque ele não está filiado ao PSB. Segundo porque Alckmin já demonstrou que quer ser vice de Lula em qualquer partido e que seu projeto não está atrelado ao de França algo com que alckmistas concordam.
A vantagem de Alckmin no PSB seria agregar à campanha de Lula um partido grande -maior do que o Solidariedade ou o PV, que são outras opções. Mas há entre petistas e membros da terceira via quem aposte que Gilberto Kassab, presidente do PSD, poderia ser vice do Lula, o que supriria essa demanda por uma sigla de peso na coligação.
Kassab, porém, afirma que seu partido lançará a candidatura do senador Rodrigo Pacheco (PSD) à Presidência. E petistas esperam que, de uma forma ou de outra, o PSB se junte ao PT, já que Ciro estacionou nas pesquisas.
O entorno de Alckmin acredita que há tempo para que esse imbróglio partidário se resolva. Em outra frente, tampouco as propostas à esquerda no programa do PT seriam obstáculo intransponível.
Petistas e alckmistas lembram conceitos defendidos tanto por Lula como pelo PSDB raiz, como responsabilidade fiscal, aposta no desenvolvimento social e defesa de uma política tributária mais justa.
Além disso, aliados de Alckmin esperam que o programa de governo não seja imposto, mas discutido -já que o ex-governador seria um vice não decorativo, mas de capital político.
Outro ponto mencionado é o de que Alckmin retomou sua agenda pública no ano passado, após terminar a eleição presidencial de 2018 com menos de 5% dos votos, comparecendo a encontros e reuniões de sindicatos e centrais. Desde então, adotou como tema principal a questão do emprego e da renda, além da superação da crise econômica.
Deputados do PT admitem que a escolha por Alckmin pode cair mal entre eleitores ligados à segurança pública, à educação e aos direitos humanos, mas argumentam que esses problemas são administráveis e que, em compensação, o ex-governador atrai setores conservadores.
Os entusiastas da chapa Lula-Alckmin também já têm resposta para quem resgata atritos entre eles ou falas de um contra o outro. Interlocutores de Lula argumentam que Alckmin, no Governo de São Paulo, teve excelente relação com o então presidente petista e com o então prefeito Haddad.
Eles relembram episódios de pontes, como quando Alckmin e Haddad anunciaram juntos o recuo no aumento de R$ 0,20 no transporte, em 2013. Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) repetiu, na semana passada, frase de Alckmin sobre a candidatura de Lula em 2018 -a de que uma vitória petista seria uma volta à cena do crime.
Integrantes da cúpula petista dizem que, de qualquer forma, a formalização da escolha de Lula por Alckmin aplacará críticas no partido. Já no grupo político que apoia o ex-tucano em São Paulo, o clima é de insatisfação e cobrança.
O ex-governador se fragiliza ao entrar em conflito com seus companheiros históricos no PSDB e deveria rever a parceria com Lula, opinam. Esses políticos já se reuniram na semana passada em busca de alternativas no estado -como apoiar o tucano Garcia ou lançar um novo nome no PSD.
O PSD havia oferecido legenda a Alckmin para que ele disputasse o Governo de São Paulo. O ex-governador não avançou nas conversas, sinalizando a preferência pela vice.
Agora, Kassab trabalha com outros nomes da ala alckmista do PSDB como opções -os prefeitos Felicio Ramuth (São José dos Campos) e Paulo Serra (Santo André) e o ex-prefeito Paulo Alexandre Barbosa (Santos).
"Estamos agregando estes três nomes a outros já em análise. O partido terá candidato próprio ao governo de São Paulo, e escolherá dentre uma série de pessoas já filiadas e outras que devem se filiar em breve", disse Kassab à Folha de S.Paulo.
O senador José Aníbal (PSDB-SP), entusiasta da terceira via, diz que falta um programa consistente à chapa Lula-Alckmin. "É um acerto frágil, um acordo sem propósito claro a não ser ganhar a eleição", diz.
Apoiadores da chapa minimizam as críticas e apostam no simbolismo de uma dupla que, para eles, aponta para um governo de conciliação, diálogo e união nacional. Para superar o bolsonarismo, argumentam, é preciso deixar divergências pessoais e ideológicas para trás, e Lula e Alckmin teriam o desprendimento para isso.